texto publicado nos jornais Cidade de Tomar e O Templário de 19 de junho.
Anta de Vale da Lage - foto Rádio Hertz |
Um processo de construção próxima deste monumento
megalítico, que é longo, recentemente mediático, com muita opinião confundida
com factos e do qual, para ajudar a entender, se faz uma (muito) resumida cronologia:
A junho de 2013 dá entrada pedido de licenciamento
do projeto. A partir daí decorre um normal conjunto de procedimentos e de trabalho
técnico e de demais garantias administrativas nos termos da Lei.
Em setembro de 2015 é apresentada a declaração de
assunção de compromisso de execução e manutenção das infraestruturas, após o
qual é aprovado o projeto de arquitetura, condicionado a mais um conjunto de exigências
determinadas por Lei.
Para que se entenda com clareza, a aprovação da
arquitetura é o que para o promotor passa a constituir direito de construção
daquele projeto, tudo o que é feito em seguida são (digo isto de forma muito
simplista) pormenores de licenciamento, as chamadas “especialidades”.
Em junho de 2016 são entregues os projetos de especialidades,
sujeitos a melhoria e correções.
Nesse mesmo mês, entra requerimento a solicitar
pré-existência de edificação na parcela, que foi reprovado.
Em setembro de 2016 “eu, abaixo assinado”, passo a
deter também o pelouro da gestão e planeamento do território, vulgarmente
conhecimento como urbanismo (não interessa nada para o caso, mas serve de
declaração de interesses).
No mês seguinte é dado despacho de deferimento
final com vários condicionamentos entre os quais: acompanhamento arqueológico
das ações de desmatação e movimentação de terras e outras de salvaguarda do “sítio
arqueológico inventariado da Anta do Vale da Lage” que venham a ser
estabelecidas pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC); cumprimento das
normas de saneamento básico estabelecidas no regulamento do Plano de
Ordenamento da Albufeira do Castelo de Bode; promover a ligação das edificações
às infraestruturas de abastecimento de águas em execução; e a limitação da
vedação confinante com o monumento à plantação de vegetação (árvores e arbustos)
de forma a diminuir o impacto visual.
Após estes condicionamentos impostos pelo
município, a DGPC emite parecer em linha com as condições já estabelecidas e,
assim, em outubro de 2018 é solicitado e posteriormente emitido alvará com as referidas
condicionantes.
Em janeiro de 2019 a DGPC emite novo parecer em
aditamento ao anterior, com requisitos em relação a acompanhamento e sondagens
arqueológicas;
Em julho de 2019 o município promove uma das
principais reuniões de acompanhamento de obra no local, com presença também da
DGPC, o promotor e o diretor de fiscalização da obra, e em parte com a junta de
freguesia local. Das várias questões colocadas, ficou definido novo levantamento
topográfico do local.
No mesmo mês, é emitido novo parecer da DGPC
favorável à tipologia de vedação a implementar no limite junto à anta.
Em agosto de
2019, e após ofício da DGPC a solicitar a suspensão parcial dos trabalhos por
incumprimento de um dos condicionamentos impostos em parecer anterior, determino
embargo parcial à obra para garantir respeito pelos limites definidos.
O município
comunica ao Ministério Público eventual desrespeito do embargo.
Em seguida, nesse
mesmo mês, o promotor apresenta alterações à obra com retificação da
implantação da edificação de modo a cumprir o afastamento de 10 metros ao
monumento. São apresentadas outras alterações que não foram aceites,
nomeadamente por não cumprirem as distâncias impostas.
Em outubro de
2019, também a DGPC se pronuncia sobre violação de embargo, neste caso sobre
eventual realização de um muro sem acompanhamento arqueológico.
Com avanços e
recuos, e muita documentação em trânsito, em dezembro de 2019 a DGPC dá parecer
favorável às ultimas alterações que haviam sido apresentadas pelo promotor em
outubro, e assim aprovadas pelo município. Referem-se apenas a questões
exteriores ao edifício, nomeadamente uma piscina.
Em final de
fevereiro de 2020 é levantado o aditamento ao alvará, e como tal é notificada a
Conservatória do Registo Predial para levantamento do embargo.
Paralelamente, subsistem
dúvidas sobre a natureza pública ou privada do caminho vicinal, questão
determinante para a imposição de várias das questões relativas ao distanciamento
de qualquer edificação a uma via. Uma questão recorrente em vários locais e ao
longo dos anos, o promotor alega que é privado, a junta que é público.
Também em
paralelo, há questões ainda não totalmente esclarecidas sobre outro edifício
alegadamente já existente no terreno. Quanto à permanência desse edifício no
local existe parecer desfavorável da DGPC.
Ainda em
paralelo, e após a denúncia ao Ministério Público do eventual desrespeito pelo
embargo parcial, vão decorrendo as diligências do Tribunal.
Por outro lado,
esta é seguramente a obra mais fiscalizada no concelho de Tomar, pelo menos de
há muitos anos a esta parte. Fiscalização regular do município, da DGPC, da
GNR, e como já vimos, das redes sociais locais e digitais.
Ora, esta é como
já referi, uma muito curta súmula de todo o processo. Entenda-se que para a fazer
foram precisas duas semanas de consultas aos imensos documentos que dele fazem
parte. É na verdade composto por muitos subprocessos a que na gestão documental
do município, agora digital, chamamos “casos”.
Fica, depois
disto, e para não ser mais enfadonho, pouco espaço para dizer algo que não
seja:
Opiniões, como em
tudo há para todos os gostos. A obra é feia, é bonita, faz sentido, não faz,
está perto da anta, não está… bom, as entidades públicas não podem tratar
processos de licenciamento de obras particulares com opiniões. Estão obrigadas,
desde logo os municípios, a cumprir e fazer cumprir a Lei.
Sublinho, eu
também tenho a minha opinião sobre o projeto, mas nestas matérias as opiniões
de nada valem.
A questão de
base, conflitos de terceiros à parte, é da proximidade do novo edifício ao
monumento. E sim, se ele estivesse classificado como “monumento nacional” (é a
DGPC que pode atribuir essa classificação), poderia ser obrigatória a distância
de 50 metros, e não a de 10 que impusemos. Mas o essencial é isto: o terreno tem
legalmente capacidade construtiva, logo, não existia qualquer base legal para
impedir o licenciamento da obra.
É verdade, não
tendo qualquer efeito para este caso (relembro a data em que entrou o pedido de
licenciamento), a câmara está a preparar processo de pedido de classificação (em
conjunto com a Gruta do Caldeirão, na Pedreira, e o Centro Cultural da Levada).
Mas muitos o podiam ter feito desde que a anta foi escavada nos anos 80: quem
escavou, instituições académicas, as sucessivas câmaras, as sucessivas juntas
de freguesia, a própria DGPC – bolas, pela lei, qualquer cidadão pode fazer
proposta de classificação!
Relativizando, e
como dizia em reportagem na SIC o arqueólogo responsável pela escavação, problemas
em obra é natural existirem, e naturalmente referindo-se à proteção da anta nos
condicionamentos impostos, a DGPC agiu corretamente.
Acrescento eu, o
velho e o novo podem coexistir, haja bom senso.
É como toda a
discussão de opiniões que sobre isto tem vindo a existir e que muito faz
lembrar alguns extremismos de que a sociedade em geral está a sofrer: haja bom
senso, e entenda-se que um município não tem bases legais para aprovar ou
desaprovar questões urbanísticas em função do gosto de cada um.
Extras:
Quando, em 2014 após trabalhos de limpeza se iniciou trabalho de valorização da Anta, até aí desconhecida do grande público, desde logo com programação de visitas:
Um exemplo:
A reportagem da SIC sobre a questão que abordo:
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