domingo, dezembro 16, 2007

Ossos Mudos

(artigo publicado no Cidade de Tomar de 14 de Dezembro)
“O passado é a única realidade humana. Tudo o que é já foi.”
Anatole France


Há verdades inegáveis e por todos conhecidas. Que quando em Tomar se faz um buraco qualquer coisa do passado aparece é uma dessas verdades. Numa cidade com a sua importância e dinamismo ao longo da história não é novidade, nem poderia sê-lo, pois com a especial predilecção para que por cá se façam buracos, disso somos repetidamente lembrados.
Esqueletos dos que por cá viveram, restos de casas onde moraram, muros, utensílios que usaram, pequenas relíquias que os adornaram, ou mesmo as riquezas que acumularam, tudo vai aqui e ali aparecendo à luz novamente, mesmo que por vezes por curto tempo, como que para um fôlego breve, antes de novo enterro.
Ora, o que me choca em primeiro lugar, é que há ainda quem ache que estes achados são apenas empecilhos às obras e ao bom decurso destas, e que melhor mesmo era ignorar e destruir tudo o que aparecesse, antes que os chatos arqueólogos dessem por isso, (e todos sabemos que às vezes…)
Mas, não prepara o futuro quem ignora o seu passado, ou, “conta-me o teu passado e saberei o teu futuro”, como diria o sábio Confúcio; e realmente o futuro de Tomar, se não for já o seu presente, vai indicando ser muito menos risonho que o que já que foi.
Além dessa mentalidade obsoleta, que como em tantas outras matérias demora a mudar, a outra questão a isto relacionada é a que me assalta com mais premência: o que acontece afinal com todos estes achados, ou seja, aqueles que são passíveis de retirar dos locais onde são encontrados, as fotos que se tiram nos locais, os mapas que do arcaico se constroem, assim como o que estas descobertas vão completando no puzzle da nossa história e do nosso passado?
Numa cidade que diz ser de cultura, com um importante lugar na história nacional e mesmo com alguns grandemente ignorados contributos para a construção do mundo contemporâneo e um passado imensamente rico, porque não temos ainda um local onde seja possível ter contacto com essa história, onde os cidadãos tomarenses pudessem conhecer mais sobre si mesmos, onde as crianças pudessem aprender, e que pudesse igualmente ser mais uma oferta turístico/cultural?
Não teremos capacidade para isso? Não teremos dimensão? Não teremos qualidade?
Essa incapacidade está bem demonstrada no fórum romano por detrás dos bombeiros.
Ali nasceu há séculos uma cidade, aquele era o seu centro, o coração dum lugar no mundo que haveria de contribuir para que outros mundos esse mundo tivesse; e no entanto, para a maioria de nós, não passa dum monte de pedras meio enterradas e escondidas por entre ervas vadias.
Esse local, há tantos anos à espera de resolução, falado de quando em vez, mas em verdade esquecido a maior parte do tempo, é o melhor lugar, a exemplo do que acontece noutras urbes, para instalar essa espécie de museu arqueológico e da história de Tomar e seu concelho. Nada extraordinário, há soluções arquitectónicas já várias vezes utilizadas noutros locais que permitiriam manter visível e preservados os “achados” do fórum, e acima dele ter instalações que pudessem acolher os vestígios da nossa história. Também aqui não é preciso inventar nada, basta, com bom senso e vontade, seguir os bons exemplos.
Nestes três mandatos do PSD na câmara de Tomar nunca houve qualquer mostra credível de intenção de resolver o assunto, como aliás acontece com toda a política cultural, e mesmo com a verdadeira promoção turística.
Talvez seja fácil de perceber porquê, aparentemente estes temas, por muito que necessários, não dão votos. Rotundas e passadeiras, aparentemente dão, a ilusão das obras parece que também. Por muito que de forma geral todos as critiquem.
Hoje, cada vez mais, a política e a gestão autárquica passa pela “construção” de cidadãos no mais puro do termo, ou seja, com pleno conhecimento, exercício, e respeito pela Cidadania; e pela edificação de cidades, naquilo que são sinergias, motivações, orientações, projectos de futuro para espaços sustentáveis e responsavelmente planeados, onde essa cidadania plena seja, senão já uma realidade, um caminho que se perspectiva.
Essa é a visão e o arrojo dos políticos capazes, que sabem criar e respeitar prioridades e olhar não para o imediato mas para o que projecta no futuro. Hoje, e para quem dê atenção à história sempre foi, à luz de cada época, o cunho duma política com maturidade.
Mas, tal como no desenvolvimento individual do ser humano passamos da fase das operações concretas na infância, para a das abstractas na adolescência, assim é também na política, e a autarquia de Tomar não deixou ainda a fase dos “legos”. Só o concreto e imediato da “política do betão” é prioridade. E mesmo aí, muitas vezes, mal.
É por isso que intitulei este texto com uma mentira, em verdade não penso que os ossos que vamos descobrindo sejam mudos, acredito sim que nós é que nos mostramos surdos para ouvir o que têm para nos ensinar; ou então, paradoxalmente, porque não sabemos perspectivar o futuro, dizem-nos que somos a prova de razão das palavras do escritor Anatole – só o passado vale alguma coisa para Tomar, tudo o resto…

Sem comentários: