texto publicado no jornal Cidade de Tomar de 6 de dezembro.
“As casas são construídas para que se viva nelas, não para serem olhadas.”
Francis Bacon
O Bairro 1º de Maio (Salazar de seu nome, até 1974) assinalou em outubro 70 anos de existência. Uma boa oportunidade para, a exemplo do texto recente que escrevi sobre educação, e de outros que se pretendem em semanas próximas, fazer um balanço de seis anos autárquicos, neste caso na área da Habitação.
Quando chegamos à liderança da gestão autárquica em outubro de 2013, o município de Tomar detinha cerca de 160 fogos de habitação social, essencialmente concentradas nos dois bairros propriedade do município. O já referido (100 fogos) e ainda o Bº Nossa Senhora dos Anjos (50 fogos, junto aos estaleiros municipais, popularmente conhecidos como FAI), e mais meia dúzia de situações espalhadas no centro histórico.
No município, em pleno século 21, não existia sequer regulamento para atribuição e gestão dessas habitações, bem como do elencar de direito e deveres dos inquilinos.
Aliás, não deixa de ser revelador que no município de Tomar, até 2013, praticamente 100% da habitação social existente no município foi concretizada durante o Estado Novo…
Em contraponto, o mandato anterior (2013/17) foi aquele em que, pelo menos depois de 1974, maior número de famílias foi realojado, fruto também da grande recuperação de casas para posse do município e de obras efetuadas, onde, diga-se, a colaboração da junta de freguesia urbana foi também muito importante.
E não falamos, como alguns pretendem fazer crer, de etnia cigana. Não, a larga maioria das casas que atribuímos (sempre por concurso público!) no mandato anterior foram a famílias que não pertencem a nenhuma etnia. Alguns, por motivos populistas, tentam continuamente levar o assunto para a temática dos ciganos. Ora perante a Lei, e para qualquer cidadão bem formado, há seres humanos. Mais nada. Mas lá chegarei a essa temática.
Regressando ao tema da habitação como um todo, lembremos que mesmo noutros modelos, em Tomar existiram apenas enquanto uma cooperativa, a Nabância, trabalhou para esse fim, e foi importantíssima para que centenas de agregados familiares tivessem tido nos anos 80 e 90 habitação “mais em conta”. Mas não só, igualmente importante para “obrigar” a um controle de preços face à oferta existente no mercado.
Pelo contrário, e também fruto de mau planeamento urbanístico, e face à execução de um conjunto de instrumentos de gestão do território, nomeadamente um elevado número de planos de pormenor, irrealistas, fantasiosos, que além de especulação imobiliária não tiveram nenhum outro resultado que não fosse a concentração de construção em pouquíssimos construtores, que assim praticaram os preços que bem entenderam ao longo das últimas duas décadas.
O desleixo ou desinteresse político (é preciso que se note que os serviços de municipais de habitação eram praticamente inexistentes até 2013 e só atualmente existe um gabinete de habitação na estrutura orgânica do município) fizeram com que boa parte das casas fossem passando de pais para filhos (ou por vezes nem sequer familiares tão diretos) sem que a eles tivessem qualquer direito. E note-se que estamos a falar de património público!
Não há memória que alguma vez se tivesse retirado casa a alguém, havia casas a funcionar como armazém, ou casa de férias, ou casa de primeira habitação tendo os seus inquilinos outras habitações – havia enfim, um pouco de tudo e total desinteresse político nos últimos anos anteriores em fazer o que quer que fosse sobre esta matéria. Talvez porque dá muito trabalho, chatice, obriga a uma certa coragem e como se costuma dizer, “não dá votos”, antes pelo contrário.
Sobre a etnia cigana, lembremos que até 2013 e apesar dos tais 160 fogos de habitação social, nunca nenhuma destas famílias havia sido integrada. Ao contrário, e apesar das responsabilidades municipais que colaborou ao longo dos anos no concentrar, e depois ignorar daquela comunidade naquilo que se transformou no gueto do Flecheiro, com todos os demais problemas sociais e por vezes criminais a isso associados.
Sim, lembremos que há cerca de 45 anos atrás foram para ali levadas, e por interesses imobiliários com os quais o município foi conivente, as primeiras famílias. Famílias que com o passar dos anos chegaram às cerca de 230 pessoas que ali encontrámos em 2013. A juntar às cerca de 50 vivendo também em barracas espalhadas em vários pontos do concelho.
Ora, muito se falou, muito se propôs, muito se anunciou, mas fazer de facto alguma coisa nunca ninguém fez. Houve muito financiamento que poderia ter sido aproveitado. Programas de erradicação de barracas, programa Polis, vários quadros comunitários, mas nada, nunca houve vontade, talvez a coragem para fazer o que teria de ser feito e há muito deveria estar resolvido.
Pois… repito, dá muito trabalho, muita chatice, não dá votos.
Hoje, e depois do trabalho que ali iniciámos, estão ainda cerca de 100 pessoas, e todas sairão, ao mesmo tempo que estamos a rever o Plano de Pormenor do Flecheiro, e a preparar a consolidação urbana daquele espaço, nomeadamente daquela que será a zona ribeirinha de excelência da cidade.
Claro, não se consegue, ainda para mais sem um cêntimo de apoios financeiros que hoje não existem para o efeito, fazer num mandato aquilo que não se fez em mais de 40 anos!
Hoje, continuamos a recuperar casas, e a juntar outras ao património municipal, além do Centro Comunitário (junto à GNR) por estes dias a entrar em atividade. Estamos a iniciar a Carta Municipal de Habitação, onde além do social, se prevê já com projetos concretos, criar habitação a custos controlados particularmente para casais jovens, assim como residências para estudantes, que hoje muito estão a faltar.
Tentaremos também criar, em jeito de residências assistidas, solução para pessoas que pelos mais diversos motivos não tenham capacidade para viver sós numa casa.
Essencialmente, continuaremos a trilhar o caminho e estratégia definida, rumo a transformar o concelho num território mais humanista e cumpridor da Lei, numa ótica de boa gestão de recursos, com princípios de equidade e justiça. E, por muito que seja impopular ou sujeito a críticas, a resolver o que há muito resolvido deveria estar.
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