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«Considero importante que crianças, jovens, pais e professores, venham para a rua defender a sua escola. É um sinal de vitalidade da nossa sociedade"»
Cavaco Silva, durante o governo de Sócrates, claro
«O homem não é nada
além daquilo que a educação faz dele.»
Immanuel Kant
Não sou por norma pessoa de aderir a greves. Desde que
iniciei em 99 o meu percurso profissional terei feito umas duas. E sim, acho
que os professores têm feito por vezes algumas greves desnecessárias e com lutas
erradas, levados por alguns sindicatos com agendas que não são necessariamente
as que mais interessam aos docentes, normalmente os ligados à Fenprof. (e para
que fique mais claro, não acho nenhuma piada à postura, que muitas vezes como
professor me deixa envergonhado, do conterrâneo e há vinte anos fora da escola, Mário Nogueira).
Por isso, as greves (somadas com ideias tão absurdas como generalizadas: que ganham
bem, que fazem pouco, que têm muitas férias…), ajudaram a criar uma imagem
negativa dos professores junto da opinião pública apesar de terem sido quase
sempre inconsequentes.
Não é o que se passa agora. Temos, talvez pela primeira vez,
uma greve que tem efeitos – como é suposto que uma greve tenha! Se não é para
ter efeitos para que serve uma greve?
E não foram os professores que escolheram este calendário, foi e é o ministério que colocou estas questões agora em cima da mesa.
E não foram os professores que escolheram este calendário, foi e é o ministério que colocou estas questões agora em cima da mesa.
E, muito mais importante, as razões são profundamente legítimas.
Sim está em causa a questão profissional de (mais uns) milhares de docentes a
quem o governo quer despedir, metendo pelo meio o horário de trabalho. Mas mais
importante ainda, está em causa a qualidade do ensino e a manutenção da escola
pública, enquanto instrumento capaz de servir todos os portugueses em igualdade
de oportunidades e garantir e construir o nosso futuro coletivo.
Mas vamos por partes. Para que se perceba melhor, o horário
de trabalho semanal dos docentes está divido em três componentes: a letiva,
que, simplificando, trata das aulas propriamente ditas, e que varia entre 22 a
25 horas; a não letiva de estabelecimento, que tem a ver com outras funções na
escola, como aulas de apoio, coordenações, biblioteca e outras (3 a 5 horas); e
a de trabalho individual do docente, que tem que ver com preparação de aulas,
conteúdos e materiais, correção de testes, entre mais e que o docente pode e
quase sempre faz em casa (o restante tempo para as atuais 35).
Claro que a generalidade dos docentes faz muito mais do que
estas horas, não só porque passa muito mais horas na escola (para não falar dos
que têm que lecionar em mais que uma), até porque há reuniões, visitas de
estudo, outros projetos, que ficam de fora da contagem de tempo; e ainda
porque, já não fora o caso de em poucas profissões se levar trabalho para casa (e
não me recordo de nenhuma na função pública), como também aí se gasta muito
mais tempo, além de usar os recursos materiais do próprio.
Ora, a qualidade do ensino está cada vez mais deteriorada,
com os professores atolados de alunos e papelada, além de acossados por todos
os governos e pela sociedade em geral, desrespeitados enquanto classe por
alunos, pais e demais comunidade. É assim fácil perceber o estado de espírito
que vai nas escolas por esse país. E isto apesar de não só a opinião pública,
como mesmo alguns docentes não terem ainda a real noção do que está este
governo a fazer, até porque se contradiz e falta à verdade com regularidade.
Uma sociedade que não valoriza os seus professores, o seu
sistema de ensino, não se valoriza a si própria e compromete o seu destino – é da
história, aprenda-se com ela.
Se, de qualquer forma, for difícil de compreender a razão
dos professores que deve ser de toda a sociedade, atentemos na incompetência do
ministro e do governo (que sim, tem sido apanágio de quase todos os ministros
da educação, normalmente porque não percebem nada da prática daquilo que
ministram) bastando apenas isto: a comissão arbitral propôs a alteração da data
do exame – o ministro mostrou-se inflexível. O primeiro-ministro foi ainda mais
longe, se o tribunal não nos der razão, mudamos a lei.
Eu não sei em que país e em que espécie de ditadura julgam
estes senhores estar a governar, mas parece-me ser claro algo, a escola falhou
na formação cívica destes senhores. Talvez tenha sido por isso uma das
primeiras coisas que cortaram do atual currículo…
Por fim, e para que fique clara a minha declaração de
interesses, sim sou professor, e se calhar tenho uma visão parcial e implicada
da questão (não creio, mas aceito essa opinião). Mas sou professor do quadro e
com horário, e assim sem a perspetiva do despedimento; como a todos o dinheiro
recebido a menos por conta da greve faz falta; e, apesar de até fazer parte do
secretariado de exames na minha escola nem sequer há ensino secundário logo não
há qualquer exame marcado para hoje, pelo que tinha boas desculpas para
encolher os ombros e fazer de conta que não é comigo.
Mas dividir para reinar parece cada vez mais a aposta clara da desesperada tentativa de se manter no poder e na senda ideológica de destruição do estado social destes senhores liberais que, depois de se apoderarem do seu partido, se apoderaram do governo. Essas divisões na sociedade sentem-se em crescendo de tensão, e esta da opinião pública contra os professores é apenas mais uma.
Por isso, se a sociedade no seu todo mais global não
perceber a necessidade enquanto nação de apoiar e de se juntar aos professores,
pelo menos que o saibamos fazer nós.
Por isso faço greve, por isso quero Crato,
Gaspar e Passos longe da gestão do país.
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