segunda-feira, junho 17, 2013

pela dignidade e pela escola pública

foto de aventar

«Considero importante que crianças, jovens, pais e professores, venham para a rua defender a sua escola. É um sinal de vitalidade da nossa sociedade"»
Cavaco Silva, durante o governo de Sócrates, claro

«O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.»
Immanuel Kant

Não sou por norma pessoa de aderir a greves. Desde que iniciei em 99 o meu percurso profissional terei feito umas duas. E sim, acho que os professores têm feito por vezes algumas greves desnecessárias e com lutas erradas, levados por alguns sindicatos com agendas que não são necessariamente as que mais interessam aos docentes, normalmente os ligados à Fenprof. (e para que fique mais claro, não acho nenhuma piada à postura, que muitas vezes como professor me deixa envergonhado, do conterrâneo e há vinte anos fora da escola, Mário Nogueira).
Por isso, as greves (somadas com ideias tão absurdas como generalizadas: que ganham bem, que fazem pouco, que têm muitas férias…), ajudaram a criar uma imagem negativa dos professores junto da opinião pública apesar de terem sido quase sempre inconsequentes.

Não é o que se passa agora. Temos, talvez pela primeira vez, uma greve que tem efeitos – como é suposto que uma greve tenha! Se não é para ter efeitos para que serve uma greve?
E não foram os professores que escolheram este calendário, foi e é o ministério que colocou estas questões agora em cima da mesa.
E, muito mais importante, as razões são profundamente legítimas. Sim está em causa a questão profissional de (mais uns) milhares de docentes a quem o governo quer despedir, metendo pelo meio o horário de trabalho. Mas mais importante ainda, está em causa a qualidade do ensino e a manutenção da escola pública, enquanto instrumento capaz de servir todos os portugueses em igualdade de oportunidades e garantir e construir o nosso futuro coletivo.

Mas vamos por partes. Para que se perceba melhor, o horário de trabalho semanal dos docentes está divido em três componentes: a letiva, que, simplificando, trata das aulas propriamente ditas, e que varia entre 22 a 25 horas; a não letiva de estabelecimento, que tem a ver com outras funções na escola, como aulas de apoio, coordenações, biblioteca e outras (3 a 5 horas); e a de trabalho individual do docente, que tem que ver com preparação de aulas, conteúdos e materiais, correção de testes, entre mais e que o docente pode e quase sempre faz em casa (o restante tempo para as atuais 35).
Claro que a generalidade dos docentes faz muito mais do que estas horas, não só porque passa muito mais horas na escola (para não falar dos que têm que lecionar em mais que uma), até porque há reuniões, visitas de estudo, outros projetos, que ficam de fora da contagem de tempo; e ainda porque, já não fora o caso de em poucas profissões se levar trabalho para casa (e não me recordo de nenhuma na função pública), como também aí se gasta muito mais tempo, além de usar os recursos materiais do próprio.

Ora, a qualidade do ensino está cada vez mais deteriorada, com os professores atolados de alunos e papelada, além de acossados por todos os governos e pela sociedade em geral, desrespeitados enquanto classe por alunos, pais e demais comunidade. É assim fácil perceber o estado de espírito que vai nas escolas por esse país. E isto apesar de não só a opinião pública, como mesmo alguns docentes não terem ainda a real noção do que está este governo a fazer, até porque se contradiz e falta à verdade com regularidade.
Uma sociedade que não valoriza os seus professores, o seu sistema de ensino, não se valoriza a si própria e compromete o seu destino – é da história, aprenda-se com ela.

Se, de qualquer forma, for difícil de compreender a razão dos professores que deve ser de toda a sociedade, atentemos na incompetência do ministro e do governo (que sim, tem sido apanágio de quase todos os ministros da educação, normalmente porque não percebem nada da prática daquilo que ministram) bastando apenas isto: a comissão arbitral propôs a alteração da data do exame – o ministro mostrou-se inflexível. O primeiro-ministro foi ainda mais longe, se o tribunal não nos der razão, mudamos a lei.
Eu não sei em que país e em que espécie de ditadura julgam estes senhores estar a governar, mas parece-me ser claro algo, a escola falhou na formação cívica destes senhores. Talvez tenha sido por isso uma das primeiras coisas que cortaram do atual currículo…

Por fim, e para que fique clara a minha declaração de interesses, sim sou professor, e se calhar tenho uma visão parcial e implicada da questão (não creio, mas aceito essa opinião). Mas sou professor do quadro e com horário, e assim sem a perspetiva do despedimento; como a todos o dinheiro recebido a menos por conta da greve faz falta; e, apesar de até fazer parte do secretariado de exames na minha escola nem sequer há ensino secundário logo não há qualquer exame marcado para hoje, pelo que tinha boas desculpas para encolher os ombros e fazer de conta que não é comigo.

Mas dividir para reinar parece cada vez mais a aposta clara da desesperada tentativa de se manter no poder e na senda ideológica de destruição do estado social destes senhores liberais que, depois de se apoderarem do seu partido, se apoderaram do governo. Essas divisões na sociedade sentem-se em crescendo de tensão, e esta da opinião pública contra os professores é apenas mais uma.
Por isso, se a sociedade no seu todo mais global não perceber a necessidade enquanto nação de apoiar e de se juntar aos professores, pelo menos que o saibamos fazer nós.
Por isso faço greve, por isso quero Crato, Gaspar e Passos longe da gestão do país.

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