artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 18 de Fevereiro
A sociedade portuguesa é rica em expressões muito espirituosas, umas vezes saudozistas, às vezes contraditórias, outras que simplesmente não querem dizer nada. Já Sérgio Godinho diz na música: “só neste país é que se diz só neste país”…
É exemplo aquela de “no meu tempo” ou a de sobre alguém e o mau desempenho que tem numa determinada função dizer-se “mas é boa pessoa” como se isso desculpasse alguma coisa – Esta última é mesmo das muito usadas cá pelas margens do Nabão.
Outra das por cá nesta terra amorfa, muito característica e sobre a qual hoje escrevo é aquela do género “ninguém fala disto!”.
Ainda no fim-de-semana que passou ouvia alguém na rádio Hertz dizer, “ninguém fala do mercado, ninguém fala dos clientes que o mercado está a perder”, quando tantos, e o PS e eu pessoalmente o andamos a dizer há anos. Afirmámo-lo muitas vezes inclusive quando a pessoa que o dizia agora na rádio, teve responsabilidades públicas sobre esse assunto enquanto vereador, e tomou algumas medidas sobre o mesmo que considero prejudiciais. E não venham dizer, sobre o vergonhoso estado actual, que nunca ninguém disse que aquela tenda não resolve coisa nenhuma, e que a Câmara não está empenhada em verdadeiramente resolver o assunto!
Também sobre o processo “Parque T”, a péssima decisão política e o rombo financeiro e o que significa para o município, li e ouvi dizer noutros meandros que “ah e tal… ao longo dos anos ninguém falou do assunto”, quando o PS e eu pessoalmente, e muitos outros, falamos e escrevemos há uma década sobre aquela monstruosidade! Neste mandato por exemplo, em que sou deputado municipal, não houve uma reunião de Assembleia Municipal em que não falasse desse danoso disparate.
É um problema preocupante este “ninguém falar das coisas”. Faz-me lembrar aquela do Presidente de Câmara dizer em reunião que não sabia que o açude de pedra está vedado ao público. Como se fosse possível não saber, querem ver que ninguém, por exemplo eu, falou nisso nos últimos anos?
É que a ser assim, vejamos, um dia destes quando for mais do que já é, consensual que a ponte do flecheiro não resolveu nenhum problema real, mas representou sim uma oportunidade perdida pois devia ter sido construída mais a sul, e perdida também porque o dinheiro ali gasto já não será gasto noutro local (mas ainda o estamos a pagar), também vão dizer que nunca ninguém falou do assunto!
Um dia destes também vão dizer que ninguém avisou que o complexo a construir (ou talvez não, que o mais certo é não haver dinheiro) na Levada, nos antigos lagares del-rei e antiga moagem da Mendes Godinho, tal como está planeado (na prática, não há planeamento nenhum), vai ser mais um elefante branco com pouco de útil e muito de gasto.
Querem ver que nunca ninguém disse que o Pavilhão Municipal, construído como foi com as características a vários níveis más que tem e naquele local, não servia para nada e era uma gasto inútil de dinheiro que nada acrescentou à cidade e ao concelho?
Um dia destes vão dizer que ninguém falou sobre o problema do antigo hospital militar anexo ao Convento de Cristo que continua sem solução, ou que nunca ninguém falou da questão do Convento de Santa Iria (até porque ninguém vê aquilo a cair) e que nunca ninguém, por exemplo eu, disse que aquilo que a Câmara julga poder ganhar com a concessão daquele espaço é totalmente irrealista e nunca vai concretizado, porque nenhum privado dá esse dinheiro por aquele espaço.
Naturalmente nunca ninguém disse que estamos todos os dias a perder competitividade para outros concelhos, ou que a generalidade dos jovens está há vários anos a deixar o concelho por falta de oportunidades. Nunca ninguém disse claro, que por cá não há desenvolvimento económico e que a autarquia há vários anos complica mais do que ajuda. Nunca ninguém disse que não há nenhum plano estratégico em prática ou sequer em estudo para apontar o futuro de Tomar para um caminho definido; tal como nunca ninguém disse que as sucessivas câmaras têm gasto rios de dinheiro em obras inúteis e mal planeadas, sem visão de conjunto ou eficácia.
E quando, e se, o Presidente de Câmara levar à Assembleia Municipal para aprovação o empréstimo de milhões que necessita para pagar o acordo que ele e o PSD aprovaram com a empresa Parque T, e a Assembleia eventualmente o reprovar, também estou para ver se vai dizer que nunca ninguém o avisou que não é assim que se tratam os assuntos, tanto na forma como devia dialogar e trabalhar com as demais forças políticas, em particular com o PS a quem o PSD convidou para uma coligação que deveria ser de trabalho; e na forma como normalmente tratam a Assembleia Municipal, a que se habituaram ser uma simples caixa de ressonância obediente do que é decidido em Câmara, quando afinal é a Câmara que responde perante a Assembleia e precisa da aprovação desta nas matérias mais relevantes, e particularmente nas de carácter financeiro.
Agora até Carlos Carrão, vice-presidente da Câmara e a pessoa que há mais tempo lá está, já diz publicamente que falta estratégia e planeamento e mais não sei o quê… então mas querem ver que só agora descobriu isso, e que nunca ninguém o disse antes?!
Um dia destes quando for, ainda mais, consensual que António Paiva foi um péssimo presidente de câmara, com uma actuação extremamente lesiva para o concelho, com anuência quase total do PSD e dos cidadãos que neles votaram, vão dizer que também nunca ninguém o disse. Ou quando se perceber que esta Câmara, contra tudo o que seria expectável pois era à partida difícil, consegue ainda ser pior, também dirão que nunca ninguém o disse? - eu sei, enquanto presidente do PS tenho algumas responsabilidades nisso, mas já lá vamos que Roma e Pavia não se fizeram num dia, e o desastre de Paiva e do PSD não se corrigem num ano, vão demorar muitos!
É que não posso esquecer a generalidade dos cidadãos, a sua maioria, quando sistematicamente ao longo dos anos se queixam dos actores na Câmara, queixam-se das decisões, queixam-se do PSD enquanto partido que desde 1997 gere a autarquia, mas deram-lhes três maiorias absolutas e nas últimas eleições, ainda que sem maioria lhes deram novamente a vitória. Ou seja, apesar de tudo continuam a atribuir aos mesmos a responsabilidade de gerir o concelho, mas, veja-se lá, continuam a queixar-se!
De forma que eu acho urgente definirmos rapidamente uma acção popular que decida de vez, e apesar de “serem todos boas pessoas”, qual é afinal o nosso problema comunitário: será que somos todos surdos, ou temos todos memória curta?
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4 comentários:
É pá!
Quem ler até pode ser levado a pensar Tomar teve dois períodos muito distintos na sua história:
O antesHC e o depoisHC.
Uma pitadinha de modéstia e bom-senso não lhe fazia mal nenhum...
...E malta não se arreganhava do ridículo.
Digo eu...
Cada um interpreta como quiser, mas obviamente não é esse o sentido do texto, e parece-me mesmo uma interpretação abusiva.
O que aqui se pretende alertar é, que as pessoas em geral e algumas com mais responsabilidade em particular, ligam pouco aos assuntos, especificamente aos que têm interesse colectivo.
Nunca pretendi ser o dono da verdade, limito-me numa postura de interesse pela comunidade e muitas vezes de quase obrigação cívica a exprimir opiniões. E tenho normalmente o cuidado de as fundamentar.
Além de cidadão tenho responsabilidade políticas na nossa comunidade, e nesse âmbito entendo a expressão de opinião e posição sobre os mais diversos assuntos como uma obrigação.
Coisa que infelizmente não é a atitude generalizada. Há muito responsável público que tem muita dificuldade em assumir o que pensa, em especial se tiver que assinar por baixo.
Eu não vejo assim a cidadania e a democracia. Se me criticam por isso, ainda bem.
Se é assim tão mau porquê é que sustentam esta coligação PSD+PS ?
Há aí muita falta de coerência !
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