O verão, a praia, o calor que inibe alguns pensamentos mais profundos, são estímulos propícios a leituras um pouco mais leves que o habitual, e O Codex 632 de José Rodrigues dos Santos, cabendo nesse formato, foi companhia de areia e espreguiçadeira de piscina nestes últimos dias. Leve no conteúdo (ainda que com passagens dignas da melhor literatura) mas um pesado calhamaço cujas quinhentas e muitas páginas há tempo o faziam descer na lista de espera das minhas leituras prometidas, por esse volume pouco se coadunar com as diárias viagens de comboio do último ano.
O romance que se desenrola em torno da polémica nacionalidade de Colombo (esse Cristóvão meu antepassado :))), acaba por ter em Tomar, ainda em passagem fugaz, um palco decisivo para a história. Aqui ficam alguns curtos trechos aí usados para descrever esta terra que em tempos foi, camuflado centro decisor dum império.
"O permanente arrulhar dos pombos enchia a Praça da República de uma musicalidade gorgulhante; eram pássaros gordos, bem alimentados, a debicarem pela calçada e a esvoaçarem em saltos, adejando de um lado para o outro, enchendo os telhados, cobrindo as pequenas saliências nas fachadas, pendurando-se na estátua de D. Gualdim Pais, a enorme figura de bronze erguida no ponto central do largo.
(…) apreciando o elegante edifício dos Paços do Concelho de Tomar e todo o terreiro central até prender a sua atenção na original igreja gótica à direita, era a igreja de São João Baptista; a fachada branca do santuário ostentava um elegante portal manuelino, muito trabalhado, rematado, por um coruchéu octogonal; sobre a igreja impunha-se a vizinha torre sineira amarelo-torrada, um imponente campanário cor de terra que ostentava com orgulho um trio simbólico por baixo dos sinos, reconheciam-se ali o brasão real, a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo.
(…) tratava-se de um espaço abrigado por entre árvores e dominado pela maciça Torre de Menagem, que se destacava por trás das altas muralhas do castelo templário, enormes muros de pedra recortados no céu azul pelo rendilhado das ameias. Deixaram o automóvel à sombra de uns pinheiros altos e seguiram pelo chão empedrado que circundava as muralhas da torre, a Alcáçova, em direcção à imponente Porta do Sol; deu-lhes, por momentos, a impressão de terem retornado à Idade Média, a um tempo rústico, simples, perdido na memória dos séculos e do qual só restavam aquelas orgulhosas ruínas. Um rude muro dentado por sólidas ameias estendia-se à esquerda, bordejando o caminho e delimitando a floresta densa; as folhas das árvores agitam-se ao vento pela encosta do monte, os galhos pareciam dançar ao ritmo de uma suave melodia natural, embalados talvez pelo animado zinzilular das recém-chegadas andorinhas e pelo permanente trinar dos alegres rouxinóis, aos quais respondiam as cigarras com agudos ziziares e as abelhas por com um azoinar laborioso, gulosas em torno das flores coloridas que espreitavam pela verdura. O lado direito do caminho quedava-se num silêncio seco, vazio, por essa banda apenas se elevava uma árida encosta de pedras, no topo das quais imperava o castelo, qual o senhor feudal, altivo e arrogante.
(…) Cruzaram a magnífica Porta do Sol e desembocaram na Praça de Armas, um vasto espaço com um belo jardim geométrico à esquerda, sobranceiro ao vale. Viam-se por ali sebes moldadas em meias-esferas, arbustos por aparar, ciprestes altos e esguios, plátanos, canteiros de flores.
(…) as muralhas à direita e as estruturas medievais em frente, dominadas pela escadaria e pelo enorme bloco cilíndrico da magnífica Charola, com o seu ar de fortaleza românica, a fachada marcada pelos maciços contrafortes dos vértices que alcançavam os telhados, a cobertura rematada por merlões quinhentistas e a torre sineira a coroar toda a estrutura; do outro lado do complexo destacavam-se as compactas paredes exteriores do Grande Claustro e, por trás de um gigantesco plátano que sobre o convento lançava a sua protectora sombra, as ruínas incompleta da Casa do Capítulo.
(…) Afinal de contas, vive em Tomar, no alto destas misteriosas muralhas medievais, o espírito puro do Santo Graal, a enigmática alma esotérica que encarnou a formação de Portugal e orientou a gesta dos Descobrimentos.”
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