sexta-feira, agosto 08, 2008

Fazer bem faz mal

artigo publicado (com letras pequeninas :), no jornal Cidade de Tomar de hoje.

Nitidamente o Governo da República está amaldiçoado, é que esta coisa de decidir e fazer só trás chatices. Pronto, uma boa parte das pessoas que por acaso tivesse começado a ler este texto, acabou já aqui, na primeira linha; «ora, se este tipo está a dizer que o Governo decide e faz coisas não é bom da cabeça… Ah!, pois, é do PS, só podia!»
Contudo, para você que está disposto a conceder o benefício da dúvida, continuemos.
Inicio estas palavras a propósito da última que me chegou ao e-mail. Para os que não estejam totalmente embrenhados nas férias e demais delícias de verão, e salvem algum tempo para acompanhar as notícias, terão certamente ouvido falar no “Magalhães”. Sim, o computador portátil português, produzido em Matosinhos, que cria riqueza, postos de trabalho e afins, que o Governo vai distribuir a 500 mil alunos do 1º ciclo, e que vai muito provavelmente ser também exportado para o resto do mundo.
Se isto não é o Choque Tecnológico, não sei então o que possa ser; permitir aos jovens desde bem cedo a manipulação destas tecnologias que passarão para eles a ser tão banais como para mim era andar de bicicleta, apostando ainda no desenvolvimento nacional destas tecnologias com tudo o que tal acarreta.
Porém claro, já circula na internet que «é tudo uma intrujice», que «é um erro geracional», que esse computador «não é nada revolucionário», que não, não se está a desenvolver nacionalmente esta indústria, e os “por aí fora” do costume. Que dizer?!
Aliás, o mesmo aconteceu no “programa e.escola”, quando o Governo inundou o país com computadores portáteis, não só permitindo a sua aquisição a muitos alunos que não o poderiam ter ou aos professores que por prática imposição profissional dele necessitam, mas igualmente obrigando à óbvia descida de preços dos demais, logo se ouviram os «Ui, porque não são topo de gama, porque se vende gato por lebre, porque se tem de pagar o serviço de internet…» Enfim!
Mas continua. O Governo, no âmbito do “Simplex”, colocou muitos serviços totalmente disponíveis através da internet, investe nas Lojas do Cidadão (em Tomar não temos que a Câmara não quer, vá-se lá perceber!) e nos balcões únicos, como este último o “Casa Pronta”, a partir do qual num só balcão e duma vez, o cidadão pode tratar de toda a papelada relativa à compra de casa. Claro que para tudo isso se vai dizendo «mas como é que pode ser, que isso é lesivo dos interesses e vão ser enganados e não estão protegidos e blá blá blá».
Se cria o “Novas Oportunidades”, para chamar alunos jovens que saíram da escola demasiado cedo, e outros a quem não foi permitido estudar, também para qualificar a experiência adquirida, «Ai senhor, porque se está a banalizar o ensino, e a dar diplomas…» Nessa matéria aliás temos o clássico dos exames nacionais, se são fáceis «Ai Jesus!», se são difíceis «Ai nossa senhora!»
O Governo tira o monopólio dos medicamentos às farmácias ou investe nos genéricos, diminuindo os preços, «Epá, cuidado, porque as pessoas vão ser enganadas, não estão protegidas…» Aliás, mesmo agora que se anuncia a diminuição do preço dos genéricos em 30%, lá vêm os senhores das farmácias que não pode ser, que é um risco e é isto e aquilo…
Durante muito tempo, se foi dizendo que na Função Pública não existia controlo, entrava-se e pronto era só deixar o tempo passar e levar as coisas com calma, os próprios sindicatos diziam que era preciso distinguir os melhores, que era preciso novos mecanismos… pois. Cria-se um novo sistema de avaliação (SIADAP) e pronto «Onde é que já se viu, ter de prestar contas, ser avaliado, seriar as pessoas, só permitir que alguns subam na carreira…»
E tanto mais. O investimento nas energias renováveis que nos coloca no topo da Europa, não interessa. Novas barragens, «Mas para quê que desperdício! Que megalomania!». Portugal vai ser plataforma mundial do lançamento em massa do carro eléctrico, «Oh, ganhem juízo, isso nunca vai acontecer, nem interessa nada!»
Antes não havia fiscalização, era tudo “à vontade do freguês”; cria-se a ASAE que trabalha a sério, e pronto, é a “perseguição”, a “falta de respeito e sensibilidade”, o “abuso de poder”. Muitos outros exemplos haveria, mas por agora chega para a conclusão possível: ou nunca estamos bem com coisa nenhuma, ou

Tudo é bom desde que não nos toque no umbigo.

Durante três anos, com Durão Barroso e Ferreira Leite, depois com Santana e sempre com Portas, os portugueses tiverem um Governo que por entre as imensas trapalhadas, a venda absurda de património, a venda por tuta e meia de créditos da Segurança Social, entre outras, sempre a falar da tanga e do combate ao défice, acabou por o duplicar. Antes, durante seis anos o Governo de Guterres, acusado, a meu ver injustamente, de reunir demasiado e decidir pouco. Pois agora, temos um Governo que decide e faz, e no entanto a muitos parece que também não agrada. Confunde-se (sim, se calhar uma vez ou outra com alguma razão), a convicção e determinação de Sócrates com arrogância, e critica-se tudo, na maioria das vezes porque se ouviu dizer, porque é hábito dizer-se, ou totalmente sem saber do que se está a falar. Sim, somos portugueses, o que dizer mais?
Talvez, dizer apenas que, às vezes, o que apetece mesmo é não fazer nada; dá tão menos chatices não é? Ou, no lema confesso de um meu professor de curso, ilustre cronista dum diário nacional, e ex-Secretário de Estado de Cavaco, o que as pessoas no fundo pensam é: “Não te rales não te entales, a responsabilidade vem sempre de cima, e nunca ninguém foi condenado por não fazer nada”.
Ora, bem vistas as coisas, e até porque o antes tão invocado “deus” está cada vez mais em desuso, o que está mais acima é o GOVERNO, seja ele qual for, por isso está bom de ver que a filosofia é simples:

A culpa é sempre DELES. E tudo o que ELES façam, pois já se sabe, está mal feito e é para NOS tramar!

Esta concepção serve para qualquer outra coisa: uma associação, a empresa onde trabalhamos, o chefe seja lá do que for, ou aquele ou aqueles, aquela entidade que em qualquer momento detenha o poder de decisão (hum, até o presidente de um partido…). E esse é afinal o desporto favorito, falar mal, se não de todos, ao menos de quem “manda”. Mas em verdade, em qualquer sociedade, em qualquer comunidade, em qualquer organização, em qualquer sistema humano minimamente estabelecido; ora, até nos animais que se constituem em grupos; sempre tem de existir quem exerça num determinado momento, o poder de decisão, por muito interessante que seja a ideia do consenso e da deliberação colectiva. Onde quer que duas pessoas se juntem, sempre há-de chegar o momento em que têm opiniões diferentes.
E a essa capacidade caro leitor, de decidir entre opiniões divergentes, tomando portanto opções, chama-se Política. Assim, com letra maiúscula, porque é uma arte nobre.
Por mais idealisticamente aprazível que seja a imaginação de uma empresa sem chefe ou sem administração, de associações sem presidente ou direcção, de sociedades sem políticos ou governos, a verdade é que isso não existe. Se tal acontecesse o Homem não teria deixado as cavernas, e a simples assumpção da possibilidade dessa existência é caminho para sistemas, esses sim, de total ausência da partilha de decisão e concentração total da mesma: ditaduras. É para lá que caminharemos se continuar a perdurar e a crescer esta ideia consumada de dizermos que a Política não serve para nada, que os políticos não prestam, que os partidos nada servem e neles não queremos intervir. Essa relutância na participação cívica e política, essa generalizada má vontade para com os que elegemos é a negação da Democracia, e um passo largo para a perca da mesma; esse que talvez não seja o melhor sistema, mas é até hoje o mais perfeito que temos, sem vislumbre de outro.
Esta errada ideia do que é a Política, esta repulsa para com ela, para com os políticos e os partidos, esta permanente depreciação das governações muitas vezes leviana e constituída em desconhecimento, esta escassa vontade de participação e a mitigação das ideologias, a ignorância dos órgãos de soberania, do que fazem como e porquê, e acima de tudo, a não consciencialização da sua imprescindível importância, é também mostra evidente, das lacunas da educação e formação de um povo, do avanço e desenvolvimento cívico e a todos os meios de um país.
Mas contudo caro leitor, você que terá sido dos poucos que leu este texto até ao fim, dir-me-ia muito provavelmente que não tenho razão, e que só o digo porque afinal, também sou desses, dos políticos. Não é verdade?

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