sexta-feira, julho 29, 2005

Entrevista no Cidade de Tomar

publicada a 22 de Julho de 2005

Cidade de Tomar - Alguns aspectos que gostaria de ver melhorados na cidade?

Hugo Cristóvão - Acima de tudo, os problemas estruturais sobre os quais nada tem sido feito nos últimos anos, e que concernem ao desenvolvimento económico e o seu reflexo na falta de emprego, em especial para os mais jovens o que depois implica uma enorme dificuldade na fixação de população. É por demais notório que o concelho tem perdido imensos habitantes nos últimos anos, e perde-os para os concelhos vizinhos, o que só pode ser explicado pela perca de condições e qualidade de vida do nosso concelho em detrimento desses.
Sem desenvolvimento económico, para o qual é muito importante o investimento privado, não haverá apoio para a Cultura, não haverá apoio para o Associativismo, para o Desporto, para o Apoio Social.
Existem outros problemas a resolver como a mobilidade urbana, o preço da habitação e consequente falta de oferta diferenciada, e ainda toda a dificuldade burocrática bem como os elevados preços de tudo o que é taxas e licenças em Tomar.

Depois há uma série de problemas específicos de alguns espaços físicos da cidade que urgem de uma resposta, e que, propaganda à parte, não tem sido encontrada coragem ou sabedoria para os resolver, tais como o Flecheiro, importante postal turístico da desgraça a que tomar está dotado, assim como toda a ligação da cidade com rio, que não tem sido devidamente aproveitada e potencializada.
E ainda espaços como a Várzea Grande, o antigo Hospital Militar no Convento de Cristo, a Mata dos Sete Montes, o Convento de Santa Iria, a Fábrica da Fiação, o Açude de Pedra, o edifício do antigo Colégio Nuno �lvares, as moagens da Mendes Godinho, o Bairro 1º de Maio.
Continuamos sem um Parque de Feiras, importantíssimo também como mais valia para o Turismo, com a realização de diversos eventos e tirando partido da nossa localização geográfica, e nesta estratégia seria também importante um Pavilhão Multiusos, o que talvez tenha sido prejudicado para os próximos anos, pela realização dos pavilhões desportivos, sendo que a “remodelação� do pavilhão junto ao rio é o exemplo máximo do mau planeamento e desperdício a que Tomar tem estado sujeito.
Outro dos problemas que temos é que Tomar, com todo o seu potencial cultural, não tem uma verdadeira sala de espectáculos, porque o Cine-teatro, apesar da avultada soma que sorveu, mal acolhe um rancho ou uma banda filarmónica.
Enfim, o que falta fundamentalmente é um Plano Estratégico para o concelho, perceber onde estamos, para o que queremos evoluir e como faremos para lá chegar. E assim, saberemos quais as infra-estruturas necessárias, quais as áreas a investir, que incentivos criar e a quem ou o quê, os direccionar.

CT - Se fosse vereador das freguesias quais seriam as suas estratégias de actuação?

HC - Para que as juntas tenham razão de existência, precisam efectivamente de fazer muito mais do que a maioria faz, mas o problema não está em grande parte nelas, está sim na Câmara. É preciso protocolar mais com as juntas e dar-lhes meios para que possam efectivamente fazer um trabalho de proximidade com os cidadãos, e que estes, fundamentalmente nos espaços rurais, a ela possam recorrer para resolver muitos dos problemas ou necessidades, que no momento só se deslocando à cidade podem resolver.
Nas freguesias essencialmente urbanas, Santa Maria e São João, estas podem e devem fazer mais, no que diz respeito por exemplo à gestão de espaços públicos, como os jardins ou os parques desportivos.
Particularmente, e isso não passará apenas pelas Juntas, é preciso apostar fortemente na revitalização e modernização dos núcleos urbanos das freguesias rurais, assim como a urgente revisão do PDM a fim de se poder consolidar esses mesmos espaços, onde por vezes acontece a situação absurda de não ser possível construir em locais onde já existem casas e infra-estruturas.

CT - O que pensa do movimento cultural e associativo do concelho?

HC - O movimento associativo do concelho é algo do que mais rico temos. Passos Manuel afirmou que enquanto houvesse massa cinzenta nenhum paí­s seria pobre, pois também enquanto houver vontade e voluntarismo para o trabalho associativo em prol da comunidade o mesmo acontece. As associações do concelho de Tomar prestam importantes serviços aos cidadãos nas mais variadas áreas, sejam da cultura, do desporto, da ocupação de tempos livres, da acção e solidariedade social, como outras, e só arduamente este trabalho é reconhecido. As associações necessitam de maior apoio, apoio que na maioria das vezes nem passa tanto pelo monetário, mas pelo logístico. A actuação da Câmara nesta matéria deve ser a de facilitar, apoiar, incentivar, e não o contrário como muitas vezes acontece.
Depois o apoio monetário além de acrescido deve ser devidamente regulamentado. Deve-se deixar a mentalidade de subsistência e de subsídio-dependência para um regime de verdadeira parceria protocolada entre a Câmara e as associações, bem como a sua acção deve ser avaliada e enquadrada num plano estratégico do concelho, a fim de que mais recebam os que mais executam.
Depois, é ponto essencial que o Município não se substitua ao trabalho das associações  ocupando áreas de intervenção e espaços físicos que estas abranjam, desde que estas o façam positivamente.
É essencial perceber que a vantagem das associações não é apenas a social, ao ocupar, formar, educar os cidadãos, mas também económica, na medida em que criam postos de trabalho, geram riqueza, e podem e devem ser uma grande mais valia também, num concelho que se diz potencializado para o turismo.

CT - Qual o livro que mais gostou de ler? O que lê habitualmente?

HC - É-me difícil apontar um livro, mas há alguns entre outros que destaco na minha bibliografia de vida: “O Principezinho� de Saint Exupery, muito mais que um livro infantil, é um guia excepcional pela simplicidade aparente, das diferentes personalidades humanas, do carácter, e do relacionamento humano.
“1984� de George Orwell, é uma excelente ilustração daquilo que fomos, que somos e que podemos vir a ser enquanto Humanidade, nas nossas guerras constantes, e nos ciclos permanentes da luta ideológica, que muitas vezes se resume à mesquinha luta de poder, e domínio dos outros, quaisquer que sejam.
O “Memorial do Convento� do nosso Saramago é uma excepcional obra-prima que alia os factos históricos ao fantástico, confundindo-se os limites da plausibilidade realista. Não deixa também de ser um retrato do povo que somos, entre a mania da grandiosidade e a pequenez de muitos espíritos.
Habitualmente, leio romance, romance histórico, poesia; tenho também um certo fascínio por aquilo que diz respeito aos Templários assim como outros temas esotéricos. Gosto também de ler trabalhos de jovens autores portugueses, como por exemplo José Luís Peixoto ou Gonçalo M. Tavares.
Leio ainda naturalmente a imprensa, sou assinante do Jornal de Letras e leio regularmente o Público, a Visão e a imprensa regional.

CT - Qual o filme que mais o marcou. Que programas de televisão costuma ver?

HC - Sou um grande fã de cinema, e só se não puder é que não vou todas as semanas, além do que vejo em suporte digital, e por isso não consigo nomear apenas um. Por isso, sem os descrever, enumero alguns que por diferentes motivos me marcaram: Mulholand Drive, Magnólia, A Lista de Shindler, Citizen Kane, Matrix, Fala com Ela, Pulp Fiction, por exemplo.
Vejo pouca televisão, e essencialmente os noticiários e outros programas informativos, sempre que posso, programas como A Quadratura do Círculo e o Expresso da Meia-noite da SIC Notícias, ou o Prós e Contras ou a Grande Entrevista da RTP. E claro, o Contra-Informação.

CT - Se fosse primeiro-ministro, quais as medidas que tomava para reduzir o défice?

HC - Um dos piores problemas do nosso país é a economia paralela, Portugal podia ser definido pelo país dos biscates, aliás, ando há uns tempos para escrever um artigo sobre esse tema. A dificuldade em resolver essa situação, é que o país de facto não se muda por decreto, e a par das leis, são necessárias fortes medidas de consciencialização que possam mudar acima de tudo as mentalidades. O português acha normal o biscate, muitos ganham mais nos trabalhos “extra� que no emprego formal, e depois, são ainda as rendas não declaradas, as vendas não facturadas, enfim, rios de dinheiro que correm paralelamente à finança oficial, e o problema é que o português não percebe que isso o prejudica, e prejudica imensamente o colectivo, essencialmente na medida em que obriga ao aumento de impostos.
De qualquer forma, e apesar de enorme dificuldade em satisfazer os cidadãos portugueses, e dos necessários sacrifícios que nos tocam a todos, acredito que o Governo de José Sócrates está com determinação e coragem, a tomar medidas efectivas das quais viremos a poder observar e sentir resultados. Os portugueses devem ser críticos e vigilantes, mas devem também perceber a difícil situação em que nos encontramos, e entender que não é fácil para um Governo fazer o que está a fazer, ciente que isso terá custos, eventualmente até nas próximas eleições autárquicas. Mas é exactamente assim que se percebe da seriedade da actuação do nosso Governo.

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