domingo, novembro 04, 2012

Epístola a António

texto publicado no jornal O Templário de 31 de outubro


"Sou velho de mais para censurar, mas suficientemente jovem para agir."
Goethe

Quando me disseram que o senhor presidente da junta de freguesia de Santa Maria dos Olivais, António Rodrigues, me havia escrito através dos jornais, fiquei feliz.
Logo imaginei que viesse, finalmente, abordar os tantos problemas que afetam a nossa grande freguesia. Sei lá, o estado deplorável e terceiro mundista do mercado municipal, anunciar que ia finalmente promover a reabilitação da rua principal de Palhavã, falar dos problemas das empresas da freguesia, anunciar algum evento cultural dinamizado pela junta. De alguma forma, dar voz a estas e outras preocupações e anseios dos seus fregueses.
Sim, se isso alguma vez aconteceu não se deu por isso, mas intentei que me tivesse escolhido, agora que está no fim da sua longa como discreta passagem pela política, para uma espécie de correspondente virtual com quem falasse para dar a público o que lhe vai na alma.

Depois, li o texto, fiquei triste. A exemplo de outros protagonistas do PSD local, o meu caro presidente não está habituado a ser colocado em causa ou a conviver com a crítica democrática. E afinal, no seu texto ofendido não escreveu sequer uma resposta, pareceu mais uma justificação, uma desculpa.
Quando li aquela enigmática expressão que usou referindo-se às dívidas causadas pela construção do parque de estacionamento atrás do edifício da câmara municipal,“embora não concordando com elas”, logo me suscitou o óbvio: por fim um autarca nabantino em ato de contrição! A reconhecer que grande parte daquilo que andou a votar cegamente ao longo de mais de uma década, tudo o que ajudou a aprovar sem ler, é afinal uma inutilidade para os nabantinos e contributo largo para os milhões da dívida do município.
Mas não, sei que assim não é, atesto a sua coerência. Das parcas vezes que nestes anos o ouvimos, foi para defender o seu PSD e o presidente de câmara, qualquer que fosse. A amizade e lealdade partidária pode ser assim: contra todas as evidências, cega e clubística. E fê-lo uma vez mais, no escrito que me dirigiu.

Não pense que estou chateado consigo por me ter apelidado de mentiroso ou demagógico. Separo sempre das relações pessoais, os excessos que alguns usam no debate político. Como comentava comigo alguém da sua família partidária: “não lhe ligues, é a política”.
E não posso mesmo ficar chateado consigo. Então se os fregueses de SMO lhe perdoam que, na prática, não tenham junta, bastando-lhes ter um presidente simpático, havia eu agora de ficar chateado por meia dúzia de palavras vãs?

Agradeço, comovido, a sua preocupação com a minha “carreira política”. Compreendo que, vindo de um dos autarcas nabantinos com mais responsabilidade e longevidade, essa preocupação possa revestir-se de maior importância. Quantos nabantinos se podem lisonjear de há tanto tempo desempenharem tão bem remunerada função para tão pouca ação?
Agradeço, mas não gosto de política a pensar em nenhum cargo ou nenhuma carreira, já ando por aqui há tempo suficiente para que isso se saiba. Independentemente da política, sou professor e, apesar da interferência direta do seu partido no meu caso pessoal, sou dos que, ainda que cada vez menos, temos o privilégio de continuar a sê-lo,
Agradeço, ainda, a sua chamada de atenção para a minha juventude. Desde bem cedo na minha adolescência, há uns vinte anos, estou habituado a que quando alguém mais velho fica sem argumentos venha com a carta da juventude. E como me regozijo por isso!

De qualquer forma senhor presidente, eu percebo a sua necessidade de entrar pelos jogos florais: - ah, e tal, eu não disse o que o senhor diz que eu disse, o que eu disse foi que alguém disse...
Pois... Conceda-me esta simpatia. Na próxima vez que quiser dizer que não disse o que disse, diga-o na hora, diga-o no local. É que perante a inflamada intervenção que o senhor teve na Assembleia Municipal, que todos ouviram, e à qual de imediato eu intervi, o senhor respondeu: nada.
Disse Madame de Stael que “as ideias novas desagradam às pessoas de idade; elas gostam de se convencer de que, depois de haverem deixado de ser novas, o mundo, em vez de se enriquecer, só se perdeu."
Eu não quero acreditar nisso. Acredito sim que, independentemente da idade, formação, ideologia política, credo, todos temos alguma coisa a aprender com todos. E que da discussão séria e frontal nascem melhores soluções para o coletivo.
Saibamos fazê-lo de forma destemida. E com apego à verdade.

2 comentários:

simon disse...

Olá boa noite. Venho pedir um simples esclarecimento sobre o parágrafo da Epistola a António (texto no Templário de 31 de Outubro). O parágrafo é o seguinte:

Agradeço, mas não gosto de política a pensar em nenhum cargo ou nenhuma carreira, já ando por aqui há tempo suficiente para que isso se saiba. Independentemente da política, sou professor e, apesar da interferência direta do seu partido no meu caso pessoal, sou dos que, ainda que cada vez menos, temos o privilégio de continuar a sê-lo...

(é a parte da interferência directa do seu partido no meu caso pessoal...)

Um abraço do Ernesto Jana

HC disse...

Caro prof. Jana,

Há coisas tão medíocres que nem valem o esforço das escrever. Um dia destes quando nos encontrar-mos por aí "conto-lhe como foi".
Digamos apenas que, não foi acaso eu ter saído de um lugar de direção numa escola no concelho de Ourém, e regressado a Lisboa.

Abraço.