segunda-feira, março 21, 2011

A velhinha escola

(artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 18 de Março)

Na passada sexta-feira dia 11 foi inaugurado no nosso concelho o novo centro-escolar da freguesia de Casais, situado na Venda-Nova, com isso determinando o encerramento de todas as escolas e jardins da freguesia. Para já, que outras se seguem.
Assim fechou também a minha velhinha escola, a Primária da Venda Nova. A velhinha escola primária onde estudaram também os meus pais, e igualmente os meus avós (os que estudaram).

É um ciclo de memórias que também se encerram naquele espaço. Parece que foi há muito tempo mas passaram pouco mais de vinte anos, e ainda assim os tempos eram bem diferentes. A escola ficava a uns bons 2,5km da minha casa e esse era um caminho feito a pé todos os dias, como o faziam também a generalidade dos outros colegas.
Todos os dias não, numa determinada altura, trabalhava o meu pai na Fábrica de Papel de Porto Cavaleiros e nos dias em que entrava no turno das 8 deixava-me primeiro na escola, o que significava nesses dias, às vezes ainda noite escura de Inverno, que por um bom período eu tinha uma escola só minha, enquanto não chegasse a Dona Henriqueta a funcionária, ou algum outro aluno.
Outros dias, apanhava-me o Faustino que comigo se cruzava no seu caminho rumo ao trabalho, e lá ia eu pendurado de cabelos ao vento na sua mota que me emprestava a primeira aventura do dia.
Se a minha ida pela manhã para a escola era normalmente solitária, o regresso da mesma, depois da uma da tarde era colectiva, e naturalmente carregada de brincadeira e muito disparate. Do “apanhar” laranjas, tangerinas, ou uvas nos quintais de caminho (como se não tivéssemos todos tudo isso em casa) aos grandes banquetes que fazíamos com as minúsculas raízes dumas também pequenas flores campestres que surgem na Primavera, que arrancávamos do chão e de que agora não recordo o nome.
Das coisas mais pacíficas, como brincar às estátuas junto à capela do Algaz, o que nos fazia a todos atrasar para o almoço e pelo menos eu, ouvir quase todos dias o mesmo ralhete; às mais arriscadas como tentar entrar nas casas abandonadas do percurso em busca de mistérios e fantasmas; ou o passarmos debaixo da ponte do ribeiro do Algaz por vezes com corrente assinalável para o nosso tamanho de crianças apenas pelo prazer de nos molharmos; ou ainda o recorrente atirar pedras tentando acertar nos fios de electricidade, quando a única coisa que me lembro de se ter acertado alguma vez, foi o Luís no meu sobrolho após isso aberto e ensanguentado.

A escola em si é o que lá está ainda, no tempo com menos um ou dois telheiros. Só com duas salas, por isso funcionavam dois anos de manhã e dois de tarde em turmas bem mais numerosas que actualmente. Talvez por isso, a minha professora Joaquina me punha a um canto a perguntar a tabuada e outras coisas que já não me lembro, a alguns outros colegas. E por isso às vezes digo que comecei a ser professor ainda na primária.
A escola da Venda Nova, junto à estrada nacional 110, sempre foi um problema de segurança rodoviária, particularmente quando lá não existiam semáforos, o alcatrão era pior e o respeito pelas regras também. Do acidente que a minha mãe, eu e a minha irmã tivemos, no velhinho Corola que foi para a sucata, nesse dia em que a minha mãe atravessou do Jardim de Infância da Arroteia (inaugurado um ano antes e também agora encerrado) para a Escola Primária para me matricular na 1ª classe; ou do Paulo que foi atropelado por um camião, entre muitos outros.
Dos meus antigos colegas muitos nunca mais nada soube, o que significa que a maioria vive fora do concelho, o que bem ilustra a nossa realidade. Ou outros fora do país, como a Sónia que vive nos EUA, a Brígida na Holanda, a Susana na Suíça. Alguns não recordo já o nome, ou sequer o rosto, mas fiquei contente de ver uma ou duas dessas caras na inauguração desta nova escola, agora ali a acompanhar os seus filhos.

Se invoco estas minhas memórias, seguramente semelhantes às memórias de muitos, é para contrariar aquela ideia tão portuguesa de que as coisas não evoluem ou aquele desabafar que “antigamente é que estávamos bem”. Nenhuma análise séria pode dizer isso. Hoje vivemos muito melhor.
Não há praticamente abandono escolar no nosso país; o trabalho infantil, ainda uma realidade há vinte anos atrás desapareceu praticamente. Hoje quase ninguém vai a pé para a escola, as escolas têm melhores condições, e todos os alunos do país, por decisão deste Governo, têm direito à refeição na escola, entre tanto mais.
É verdade que há problemas a montante, há por exemplo ainda miúdos que chegam à escola com fome, sou professor, sei-o bem, mas isso não pode ser comparado com o que se passava nesse tempo.
E desculpem lá nesta matéria elogiar o Governo, bem sei que nos dias que correm é pouco popular fazê-lo, é mais fácil entrar na demagogia, mas e as condições das escolas? Nunca se fez tanto como actualmente no investimento nas condições de instalações e equipamentos, além do claro e exemplar investimento na tecnologia.
Tomar é um bom exemplo. Deste centro escolar agora inaugurado à Escola D. Nuno Álvares, ou ainda à magnífica Jácome Ratton, passando-se o mesmo por todo o país. A ponto de, noutro jeito de ser tão português, as críticas de alguns serem agora o de achar excessivo o que está a ser feito. O português nunca está contente! Já ao Marquês de Pombal acusaram de fazer ruas demasiado largas…

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Amigo,
Se houvesse vontade política de fazer esta obra, quando me debati por ela, o pavilhão, anexo à Associação, poderia ter sido englobado na mesma.
Ainda me dirigi à Venda Nova para assistir à inauguração, mas com receio de fazer algum comentário inadequado com os discursos dos políticos, preferi não entrar. Os que elogiam agora os Centros Escolares e dizem olhar pelas boas condições dos alunos, são os mesmos que votaram contra o encerramento de escolas com um aluno. Os votos perturbam a consciência das pessoas.
Nota:Infelizmente, com noventa anos, a tua professora faleceu poucos dias antes desta inauguração.
Um abraço
Francisco Pimenta

HC disse...

Caro Prof. Pimenta,

Não sabia que a prof.ª Joaquina tinha falecido, já não a via há uns anos.

Quanto ao resto, tem razão, é a natureza contraditória do ser humano, particularmente dos portugueses.

Um abraço.

Anónimo disse...

Olá o meu nome é Luís Ferreira estive nessa escola entre os anos 1977 e 1981 o meu professor Pimenta que recordo pelo que o fiz sofrer e pela cana-da-índia que partiu a quando me dava com ela...tenho saudades desses tempos rebeldes, mas divertidos(pelo menos para nos).


Gostava de encontrar o meus colegas de turma, que não vejo a anos!!!

Eu de momento vivo na Alemanha, mas podem-me encontrar no facebock por Luis Ferreira


Um abraço Luís António

HC disse...

Caro Luís,

saiu no ano antes de eu entrar.

Se quiser procurar no meu facebook (http://www.facebook.com/ugocristovao) talvez encontre por lá alguma dessa malta que procura.

cumprimentos