sexta-feira, abril 25, 2008

Volta Salazar!

artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 24 de Abril

Chegados que somos a mais um feriado, que é, para a maioria, o único ponto de interesse desse dia de Abril que aí está, há ainda quem, mais que noutros momentos, relembre essa figura que convoco em epígrafe e aquilo que representa: a dita dura.
Bem sei que quando nesse dia vinte e cinco do quarto mês do ano de setenta e quatro do século passado, se colocaram cravos onde balas de costume uma ou outra vez saíram, o senhor já tinha caído da cadeira, pois que se estava na marcelista primavera, que em todo caso dizem, era feita de uma espécie de um morno a caminho de gélido.
Mas não me culpem a mim, tantas vezes acusado desse crime de que me confesso, não ter vivido nessa época (adoro aliás esse argumento fascinante e inteligente do: – quem és tu ó miúdo, que da tua idade já estava farto de lutar contra o fascismo?!), por agora aqui nomear o senhor que tão bem lá estará, no céu ou no inferno, consoante o gosto e a devoção.
A verdade é que, “condenado” por esse tempo não ter experimentado, e tantas vezes ouvindo dizer a pessoas certamente esclarecidas que nesse “é que era bom”, que por vezes me ponho a adivinhar como fosse afinal.

Nesse tempo a sociedade assentava em valores muito mais consistentes, as moçoilas casadoiras tinham aulas de economia doméstica e eram hábeis na costura. E ora pois, assim é que estava bem. Se as mulheres tivessem todas em casa já não havia desemprego, não havia por aí tanto rapaz de calças rotas e camisas por passajar, nem a malta perdia tempo nas esplanadas a ver as mini-saias!
Depois diz-se que evoluímos, veja-se por exemplo aquela do Plano Estratégico para a cidade de Tomar que a câmara agora aprovou, onde se diz, lá noutras palavras mais rebuscadas, que se abrirmos mais lojas no centro histórico estamos a elevar as senhoras à igualdade…
Nessa altura faziam-se as conversas em família trazidas por esse Caetano de primeiro nome Marcelo. Já hoje seria impensável que algum Marcelo nos viesse pespegar com teorias com as quais fosse muitas vezes claro nem o próprio acreditar.
Agora, veja-se lá bem!, a malta até se pode divorciar se um dos conjugues estiver farto do casamento! Mas onde é que isto já se viu, que libertinagem!
Depois dizem que nesse tempo não havia alunos mal comportados – nenhum, garantiram-me já, se atrevia a levar telemóvel para as aulas, e igualmente algum sabia mais, por exemplo, de computadores que o seu professor.
E os políticos? Tudo da melhor água, primeiríssima linha, duma qualidade que nem valia a pena haver eleições porque melhor… impossível!
Nessa altura, por exemplo numa câmara, as decisões a tomar competiam ao chefe e pronto, ninguém mais era importunado com isso, fosse implicado com isso fosse um qualquer outro indivíduo. Hoje? Inventaram esta coisa de programas eleitorais, referendos, períodos de discussão pública, audições às entidades, auscultação dos cidadãos – só complicações!
Graças a Deus que em Tomar a tradição ainda é o que era! Programa eleitoral?, isso não são mais que pormenores – o que é que interessa o que se pensa fazer, se o cabeça de lista for jeitoso e bem falante? Parque de campismo, fecha-se, então ninguém vai acampar na sua terra! Mercado… vamos mas é ver se o deitamos abaixo enquanto ninguém vê, depois quando lá não estiver já ninguém dá por falta! Carta Educativa, fechar escolas… pois claro, é como queremos, pôr os miúdos a levantar-se uma hora mais cedo só faz é bem, e vão conhecer outras terras! Plano Estratégico para o futuro do concelho… ora, só nós que é que sabemos, o povo nem de estratégia futebolística, vamos agora pedir-lhes opinião! Apoio aos investidores, criação de riqueza, promoção de emprego, fixação dos jovens… deixem lá isso, depois faz-se aí mais uns passeios para a terceira idade e fica tudo bem, isto precisa é de festa!
E falando em festa, os bonitos costumes que têm acabado? Já não se vêm por aí daquelas lúcidas homenagens a presidentes de junta ou de câmara, por fazerem mesmo que com muito atraso, aquilo que é a sua função! Felizmente que temos a freguesia dos Casais, valha-nos isso…

Isto anda tudo ao contrário! E depois vêm dizer que se lutou muito pela Democracia, e pelo direito de votar, e ter opinião e não sei quê mais… mas para quê, se isso é uma chatice tão grande?! É que ainda por cima fazem isso quase sempre ao domingo! Onde é que já se viu, profanar assim o dia de descanso, ainda mais em épocas de saldos ou de mergulhos! É que ainda se fosse de semana e se faltasse ao trabalho…
Há coisas no entanto que não mudam, como significados das palavras, como desporto que em Portugal quer dizer futebol, ou religião que significa por cá igreja católica. Mas desta diz que agora a sua acção está diferente e que o tanto que pregam, são mesmo pregos nos templos antigos. Em Tomar causou alguma polémica, mas não vejo porquê. A igreja já está velha, e ora, a pedra é como o vinho, precisa de abertura para respirar!
Outras por outro lado são muito diferentes, as câmaras por exemplo, privilegiam a educação, a cultura, o apoio social, ao invés da obra pomposa, do penacho, da fachada. E os cidadãos sabem dar valor a isso…
Como as coisas mudaram… não é que agora até encontramos presidentes de junta ditos comunistas e eleitos por esse partido, a fazer o jeito a câmaras de direita em matérias essenciais como a educação? Longe vai o tempo da Paz, o pão,… a… como era mesmo a lengalenga?

Bom, fale-se agora a sério. É evidente que coisas há que são intemporais, mas o que quero evidenciar é que há matérias em que em verdade pouco evoluímos desde esse tempo, e outras até, onde parece que voltamos atrás. Pessoas boas e más, mais ou menos responsáveis, mais ou menos competentes sempre houve e sempre haverá. Há, contudo, uma diferença substancial. Se noutros tempos as coisas aconteciam sem que tal se pudesse discutir, mas porque alguém o decidia; hoje, acontece porque todos deixamos que aconteça, porque muitos de nós estamos convencidos que o fantasma do tal Salazar por aí anda ainda, porque se tem medo ainda de criticar, ou porque se é comodista, porque às vezes não apetece votar, mesmo que em branco; porque todos no conjunto da comunidade que somos, aqui ou ali, e muitas vezes, nos demitimos dos deveres e direitos, e das responsabilidades mais basilares que nos garantam a Liberdade e Democracia possível. Porque a maioria continua a preferir que por si decidam, e persiste ainda a bajulação aos “senhores importantes”. Porque deixamos que seja verdade entre a colectiva cegueira que seja rei quem tiver olho, porque criticamos muitas vezes sem seriedade, ou nada fazemos para alterar as coisas, gostamos de dizer mal de qualquer coisa, de quase tudo, de ser do contra nas palavras – e no entanto, nos actos, quase sempre a favor.
Por vezes parece que a aurora da Liberdade, transformou a falta total de Liberdade em liberdade total. Isto não pode acontecer, é preciso a assumpção de que a Liberdade total de alguém será sempre a liberdade reduzida de outrem.
Só quando percebermos e praticarmos, que a Liberdade e a Democracia, assim como uma existência social fraterna, solidária e progressista, em apego à Verdade e à Justiça, não são chavões adquiridos mas conquistas para as quais temos individual e colectivamente, caminhos contínuos a percorrer, enquanto seres sociais de Cidadania consciente e plena, então Abril será em Portugal um mês com significado, quer existíssemos quer não, quer não lembremos já, o que era esta país dito adiado antes de 1974.
A bem da nação!...

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