domingo, outubro 07, 2007

Os trintões nabantinos

artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 5 de Outubro.

“Ter trinta anos em Portugal” foi o tema de capa e excelente reportagem da revista Visão de 20 de Setembro. Ao ler esse trabalho sobre “o retrato da geração pós-25 de Abril que está a mudar o país”, não sei se por pouco mais de um mês me separar dessa efeméride, dei por mim a pensar e a transpor para a visão nabantina do assunto: como é ter trinta anos no concelho de Tomar?
Nessa reportagem são em primeiro lugar focadas as referências, desde as séries infanto-juvenis como a Abelha Maya, o Tom Sawer ou o excelente Verão Azul (que comemorou inclusive 20 anos no ano transacto), ou o facto de sermos do tempo em que o computador era uma coisa chamada Spectrum e que funcionava a cassetes; e telemóvel, digo eu, só nos filmes do 007.

Sendo certo que esses anos da infância e da adolescência são por norma aqueles que definem a nossa personalidade, os gostos, e muito do tipo de vida que vamos seguir, que referências temos para além dessas cá pelas margens do Nabão? As matinés de Quarta ou Sexta-feira no Pim-Pim ou, naqueles tempos em que eram os de outros concelhos que a Tomar se deslocavam, as noites da Excêntrica que acabavam mesmo bem com um mergulho no Zêzere ainda antes do nascer do sol. Um copo de “Mouchão” fresquinho, que só nos já idos nas cinzas da memória “Passarinhos” é que sabia daquela forma. Enfim, sobra felizmente o Paraíso pouso de todas as gerações, e vêm ainda de parte desse tempo o Casablanca ou o Lá Calha. Bebemos as primeiras imperiais com umas moelas a acompanhar no Noite e Sol, e era ao Texas que íamos comer o bitoque.

Acompanhámos o nascimento e a evolução dos Quinta do Bill, assistimos ao fecho do Cine-Teatro (reaberto já mas onde o cinema já não tem o fulgor desses tempos), onde antes íamos às sessões infantis de domingo de manhã e lembramo-nos do Festival de Cinema que nesses tempos do Vasco Granja na RTP, emprestava a Tomar reconhecimento. Lembramo-nos de andar de barco no rio, jogar à bola no pelado da nabância (não eu, que nunca fui dado a essas artes!); os passeios na mata, e até fazer o percurso de manutenção que em tempos lá existiu. (Quantos tomarenses entram hoje na mata?)
Perdíamos tempo nos snookers da Gualdim Pais ou do Académico, ambos ainda por lá, mas que já não são a mesma coisa porque, como será seguramente para todos os adolescentes, o tal tempo parecia ter outro tempo.
Muito mais poderia ser lembrado e cada um terá as suas memórias, os seus lugares, e a forma como as guarda ou as esquece, é um exercício que a cada um se reserva.

Mas revividas as memórias, que perspectivas, que ambições, que presente e futuro têm os trintões nabantinos? Nós que, talvez mais despertos, talvez menos apegados a um outro passado, vimos crescer os concelhos à nossa volta, vimos essas terras desenvolverem-se, e já pouco chegámos a conhecer o tempo em que Tomar era a referência e o líder incontestado da região. Há no entanto quem não consiga ver ou aceitar que essa é a realidade. Tomar está em degradação, e a continuar o actual rumo só poderá agravar-se.
Ainda este domingo, quando ajudava nas mudanças da minha irmã para a sua casa nova em Abrantes pensava: como se consegue convencer os mais novos a ficar? Todos os dias parte alguém, esta terra envelhece cada vez mais, mas que razões podemos encontrar para mudar isso?
Empregos, difíceis; qualidade de vida, alguma sim, mas cada vez menos, ou cada vez menos tem algo que se destaque doutros locais, e em muitos aspectos já está a perder, e ainda por cima uma cidade bonita não nos mata a fome.

Eu… tenho um gato, mas dizem as estatísticas que uma boa parte dos da minha idade estarão casados e com um filho, mas essas estatísticas também não jogam a favor dos Tomarenses. Se para um é difícil, para dois é-o (obviamente) a dobrar. Onde arranjar uma casa? Construir uma nas aldeias? Mas nos poucos sítios onde é possível, só para a licença, além do que custa demora uns dois anos. Comprar apartamento? Seja novo ou usado, os preços são o que sabemos em Tomar, iguais aos de Lisboa, não falando nos preços da água, do saneamento. É que até os supermercados em Tomar, parecem ter preços acima da média dos outros concelhos!
Além dos poucos que não enxergam a realidade, e dos que a vendo a tentam esconder, há quem ache não ser possível dar volta isto, outros que assim mesmo é que deve ser, que esta deve ser uma terra “pacatinha”, onde deve morar quem paga para ter sossego, quem tem dinheiro para pagar a tarifa de viver numa espécie de museu, que é de facto para onde nos encaminhamos.

Eu acredito em algo distinto, que não precisamos mudar o que somos, nem alterar a nossa identidade, essa marca que ainda faz de Tomar algo diferente, e no entanto encontrarmos formas de poder sobreviver a nos tornarmos uma vilazinha engraçada nos subúrbios de outra coisa qualquer. Acredito que há quem queira investir, assim os deixem; que há quem queira trabalhar, assim lhes dêem oportunidade; que a maioria prefere continuar a viver por cá, assim consiga. Mas para isso é preciso que se assumam responsabilidades, responsabilidades que começam em cada um de nós, que sejamos críticos e interventivos, e que Tomar perca esta característica quase genética de deixar que dois ou três (ou nos últimos tempos um), decidam por todos os outros. O presente e o futuro está nas mãos dos tomarenses, e muito nas mãos desses trintões, é preciso que o assumam e que o exerçam.
Senão, bom, senão os trintões nabantinos terão cada vez menos problemas, porque em verdade serão cada vez mais uma “espécie” em extinção, porque a maioria abandonará Tomar antes de completar essa idade, ficando apenas os que podem e os que como eu têm o seu quê de teimosos.
Estarei errado?

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