sábado, setembro 08, 2007

Numa terra longínqua…

artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 7 de Setembro

Era uma vez uma pequena terra, presa num formoso vale entre um rio serpenteante e um antigo castelo. Uma terra de histórias e lendas, de feitos e feitiços, e de acontecimentos que em mais lado nenhum se viam.

Nessa terra governava um homem que se entendia iluminado. Outrora estrangeiro, chegara com promessas de coisas novas e de progresso. Conquistado o poder, pensou criar uma obra que fosse a sua imagem, que mostrasse a todos a sua capacidade de governar, que fizesse as pessoas sonhar e admirar. Depois de pouco pensar decidiu, «Vou construir uma fonte!». «As fontes tem o seu quê de mágico, todos gostam de água, então se for água a saltar e a cair, e com luzes e tudo mais, o sucesso é garantido» pensou. Pensou, decidiu e mandou fazer. Mas a coisa não correu bem ao desventurado governante, pois apesar das arcas carregadas de moedas de ouro que gastou, o povo da terra não percebeu o engenho e arte da sua criação, e além do mais havia um bruxedo qualquer que enguiçava a obra que não parava de avariar.

É preciso outra coisa, outra obra magicou, «O que é que eu posso fazer que seja o espelho da minha mestria e mostre como estou muito à frente dos incultos cá da terra? Já sei, coisa inovadora, vou fazer um palácio onde as pessoas possam guardar as suas carruagens do sol e da chuva, enquanto fazem compras aqui no centro deste malfadado sítio». Dito e feito, contra todas as dificuldades que alguns locais com a mania que sabiam alguma coisa de governação lhe tentaram colocar, e com um grande carregamento de arcas de moedas, a obra nasceu.

Mas triste sina de quem tem razão mesmo que sozinho, nasceu torta, parece que as pessoas não iam lá pôr as carruagens, mais, até parece que nem sequer iam fazer compras ali perto, é que até parece que faziam de propósito!

O governante desesperava, mais sorte tiveram os seus antepassados que podiam simplesmente obrigar as pessoas a cumprir a sua vontade, mas agora corriam aqui e ali aquelas ideias diabólicas de conferir às pessoas a ideia de que podiam escolher e tomar decisões, e isto só complica a vida de quem tem tamanhas responsabilidades.
«Mas não me dou por vencido», pensou, «se não vai lá com um palácio, faço outro, e desta vez será ainda mais engenhoso, será subaquático! E se dez arcas de ouro não chegarem, que sejam vinte!»

Ora está-se mesmo a ver, uma vez mais, o povo da terra não colaborou e a coisa não correu bem. Achavam que aquilo não estava bem, que estava mal planeado, mal localizado. Ainda não era aquela a obra pela qual seria lembrado nos anais da história.
«Maldição! Mas que preciso fazer para contentar esta gente?!» Chateado, contra tudo e todos e até a própria corte, que embora não o dissesse não gostava da ideia, mandou fechar um pequeno parque onde peregrinos e visitantes vinham apreciar a terra – chamavam-lhe campistas e traziam moedas que por lá deixavam. Fê-lo pensando «nesta terra ninguém dorme ao relento, aqui só nas melhores hospedarias», mas claro, mais uma vez foi incompreendido. Parece que as pessoas gostavam mesmo de dormir no chão debaixo dumas tendas.

«Mas onde é já se viu isto, eu trago-lhes conforto e é assim que me tratam?!» exasperava, «Mas porque será que não consigo fazer nada que não dê buraco?! Vou-me embora, vou procurar outros que mereçam mais!».
Mas faltava a obra, faltava aquela marca que o tornasse imortal, que tornasse o seu nome merecedor das mais exuberantes homenagens e das mais doces memórias. Não era apenas isso, para dar lugar a novas e boas memórias era preciso primeiro apagar as que lembravam da má governação, as pessoas regem-se por símbolos e imagens, então, era preciso eliminar os maus símbolos e substituí-los por outros. Por muito que isso custasse!

E qual era o grande símbolo, bem à vista de todos, do desastre do seu comando? A fonte, a velha fonte, que velha não era pelo contrário, mas vil feitiço, parecia velha e podre. Era preciso eliminar aquilo, fazer outra. Tudo o que é novo, mesmo que por pouco tempo contenta as pessoas. «Arrase-se isto e uma nova se faça!», ordenou. E se calhar, se calhar até o parque, aquela coisa de pobres, se calhar até aquilo podia abrir outra vez…

Mas a obra, a obra que perdurasse faltava ainda. «Já sei, eureka! Uma ponte, uma ponte pelo altíssimo!» As pontes também têm o seu quê de mágico, servem para unir coisas, pessoas, são como elos, e são obras que impressionam, mesmo que colocadas num sítio onde não servem para grande coisa.
Naturalmente, por esta altura as finanças do sítio já não andavam muito bem, mas isso seria problema que outros resolveriam, importante importante era a sua obra e o governante, já não tão jovem, já pouco amado, mesmo que ninguém mais o entendesse, e que a própria corte lhe dissesse sim pela frente e o contrário às escondidas, precisava dessa obra.

Mas, uma ponte seria pouco, havia ainda muitas marcas negativas, a obra tem que ser muito impressionante para fazer esquecer o resto. «O que hei eu de fazer mais?…». Pois havia lá no centro do lugar, um mercado já um pouco antigo, esquecido até aí pelo governante mas apreciado pelos habitantes, onde iam vender os produtos da terra, onde se encontravam com os amigos, e onde mesmo os só de passagem gostavam de entrar, por muito sujo e decadente a que tivesse chegado.

Nem mais. O governante, que o que gostava mesmo era de demolições delirava «É isso, é mesmo isso, vou deitar aquela coisa bafienta e a cheirar a peixe abaixo, e fazer ali mais um palácio, um palácio onde entrem pessoas finas, onde se vendam os melhores linhos e se façam os melhores gourmets! E como vou fazer a bela ponte mesmo ali ao lado, aquilo vai ser uma das sete maravilhas que a terra não tem! Vamos lá ver se se lembram de mim ou não!»

O governante rejubilava, inchava de orgulho com a sua imaginação e capacidade de ver o que mais ninguém via. Pois, é que, está-se mesmo a ver não é? Há coisas que não mudam, e o resultado… bom, o resultado fica como a moral desta história, passada lá nessa terra longínqua esquecida no tempo e no território, para o entendimento de cada um. Não é assim tão difícil de lá chegar, pois não?…

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