quarta-feira, junho 20, 2007

Ota ou então?

artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 15 de Junho


A discussão tem provocado páginas imensas nos jornais e horas infindáveis de discussão, especialmente quando alguns sectores (alguns políticos, outros económicos) perceberam que a decisão era para executar.
É afinal uma característica bem vincada da mentalidade portuguesa, aliás aplicável em muitas outras situações. Enquanto os assuntos se debatem, enquanto os estudos se promovem, ninguém presta muita atenção ao assunto, e faz conscientemente por nem ligar, na expectativa ou no hábito, que a coisa ande por ali a marinar e no fim dê em coisa nenhuma. Que ninguém decida.
Mas assim que alguém toma uma decisão logo um coro se levanta apresentando mil e uma soluções, mesmo que muitas esquecendo aspectos muito elementares mas que ajudam ao ruído, criticando tudo de possível sobre a decisão tomada.
E enfim, sobre a Ota mais do mesmo. A questão é em verdade muito simples: aos políticos o que é de política, aos técnicos o que é de técnica.
E aqui há algo que dificilmente é percebido pelos cidadãos em geral e que também ninguém se interessa em esclarecer. Há questões técnicas que devem estar à priori, há outras que só se colocam depois da decisão, seja ela qual for.
Imagine que quer construir uma casa num determinado terreno. Há efectivamente algumas questões técnicas que tem de saber à priori: se o PDM o deixa construir naquele terreno, qual o índice de construção, etc. Depois você toma uma decisão, quer construir, e a seguir o arquitecto ou o engenheiro fazem os estudos necessários para realizar a sua decisão em função da inclinação do terreno, do tipo de terreno, se quer com varandas ou sem varandas, com três ou quatro quartos, e por aí fora.
Acontece que nesta discussão sobre o novo aeroporto, e medidas as distâncias da comparação, a situação é muito parecida. Muitos têm tentado enviar para o lado da técnica questões que são meramente políticas, ou seja, que se situam no campo da decisão que atinge factores longe dos meramente técnicos, logo o que aqui é relevante, é que politicamente há duas opções: decidir, ou fazer como era costume, não decidir.
O que há aqui de técnica à priori, é saber económica e ambientalmente qual a melhor localização, saber qual será mais benéfica para o maior número de pessoas e instituições, qual serve melhor o país e apresentará maiores índices competitivos. Depois decide-se. Tomada a decisão, então os técnicos estarão lá para tornar a sua execução possível. Sempre foi, e sempre será assim, se as situações decorrem com normalidade. Se o terreno é mais ou menos plano, se a pista é para norte ou para oeste, tudo isso é mera execução técnica da decisão que é política.
A discussão, ou o ruído a que se tem assistido não é mais do que as permanentes forças de bloqueio, com este ou aquele interesse, que sempre se manifestam nestas alturas. E mais estranho são ainda o que antes defendiam a Ota e agora mudam de opinião.
Efectivamente durante anos se tem discutido o assunto. Há muitos anos que, com diferentes governos, ouvimos falar no novo aeroporto e na Ota. Entretanto o aeroporto da Portela atingiu as últimas e, ao contrário de Lisboa e do país, é um entrave ao desenvolvimento turístico e não só.
Talvez este seja outro aspecto mal explicado, o quanto um bom aeroporto é essencial para o desenvolvimento a vários níveis de um país.
Lembremo-nos que a melhor época de Portugal, aquela em que mais se desenvolveu, foi quando pelo país e pela capital passava parte do mundo. Sem comunicação não há desenvolvimento mas sim esquecimento. Numa escala diferente, veja-se o que tem acontecido a Tomar, pelo facto da A1 ter passado longe e os bons acessos terem tardado.
Isto para dizer que, sem boas plataformas de comunicação e deslocação de pessoas e bens, nenhum país ou região se desenvolve, seja hoje, fosse há mil anos, e certamente o será assim também no futuro.
Hoje, um bom e atractivo, competitivo aeroporto é essencial, em especial para um país que é a porta de entrada e saída da Europa para ocidente e para o sul.
Parece vá lá, que a necessidade do aeroporto está genericamente entendida. Vamos então à agora tornada tão complexa questão da sua localização e para isso alguns dados:
as principais auto-estradas e a principal linha ferroviária do país e de ligação deste com Espanha, assim como o futuro TGV, estão a norte do Tejo; chega-se mais depressa à Ota, para onde não há filas, do que a qualquer lugar da margem sul, onde é preciso atravessar a ponte (acho que ninguém pensa ir para o aeroporto e apanhar o barco!); 92% (convém repetir: 92%!) dos utilizadores do actual aeroporto estão ou vêm para norte do Tejo; é a norte do Tejo que estão a grande maioria das empresas e das populações, e logo também dos contribuintes.
Pelo que, volto a dizer, a questão me parece simples. Atendendo a que o investimento de um aeroporto não é bem como construir uma rotunda, e com seriedade ele tem que ser visto como um equipamento que chegue com eficácia ao maior número de pessoas, da forma mais competitiva, e com a maior capacidade de criação de desenvolvimento e riqueza, se fosse você caro leitor, que tivesse a responsabilidade dada pelos seus concidadãos, com a consciência e a capacidade de avaliar recursos, gastos e proveitos – onde é que decidiria construir o novo aeroporto?



Aditamento: Quando escrevi este artigo, não tinha ocorrido ainda o timeout para estudos em Alcochete. Devo no entanto dizer que continuo a acreditar em cada palavra que escrevi, e que a actual situação me parece aliás bastante perigosa. Um mau princípio, exactamente pelo que no artigo refiro quanto "aos políticos o que é de política, aos técnicos o que é de técnica", não fora como dizia alguém algures num jornal, termos agora um país cheio de especialistas em aeroportos.

E muito importante, algo que me esqueci de referir no artigo - a questão da Ota foi sufragada pelos portugueses. Bem sei que ninguém liga chavo aos programas eleitorais, e que há até como em Tomar, quem ganhe eleições sem um, mas o facto é que no programa de Governo do PS está lá a Ota, e foi no PS que os portugueses votaram e atribuiram portanto a responsabilidade de tomar decisões.

Sem comentários: