quarta-feira, outubro 18, 2006

Chove, muito

Tenho tido uma enorme preguiça em escrever nos últimos tempos. Ou em verdade, por falta de tempo, ou por excesso de outras escritas ou de computador, não me apetece muito teclar por aqui.
E agora que são quase três da manhã, e chove, agora de súbito um pouco menos, sabendo que daqui a poucas horas parto de novo para longe, e parecendo-me que já não vou dormir, apetece-me talvez pedir emprestado um poema a uma das almas do mestre, que sendo Pessoa não era pessoa qualquer.
Fica aqui ele a falar por mim por uns dias.


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

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