quinta-feira, setembro 15, 2005

"O Gosto dos Outros"

(este post andou perdido, e agora, segunda 19, recolocado no seu devido lugar)

Enquanto esta Terça-feira comia uma sopa apertado num centro comercial de Santarém; enquanto um Elder se espalhava no chão deixando um rasto de batatas fritas em palitos e pedaços de frango por todo o lado; enquanto algumas teenageres ensaivavam desfiles imaginários a pensar certamente nos novos colegas do ano lectivo que começa; e três senhoras abastadas de idade de cremes e lacas e cigarros segredavam alto importantes informações do jet set local; um rapaz de vinte poucos anos falava efusivamente atrás de mim para uma jovem da mesma idade, sobre um tal concerto espectacular, que foi o melhor, uma coisa mirabolante, que tinha conseguido não sei quantos autógrafos, que foi demais, que tinha lá estado até às tantas, que nunca vira nada assim, que delirou, que, que, que...
15 minutos disto e eu a pensar: bem foi aos U2, ou a um daqueles festivais de verão, ou alguma coisa assim, grande.
Até que o rapaz depois daquele tempo todo menciona o nome da banda e diz: D'ZRT...
apeteceu-me virar para trás e espetar-lhe um par de estalos!
Ora, pois vinha eu ontem no carro a ouvir as notícias na rádio Hertz, e qual era uma das notícias em destaque, como se de algo muito importante se tratasse? O concerto a realizar ontem no Palácio dos Desportos em Torres Novas pelos... D'ZRT!

Será que estou velho?


23.9.2005 Adenda (para não dizer: "fazer o desenho"):

Sinto-me compelido a acrescentar estas linhas, depois de algumas das reacções recebidas, inclusive de pessoas que me conhecem muito bem, espantadas por eu estar a criticar o gosto de alguém.
Ter reacções é bom, é também para isso que escrevo, mas confesso que por vezes me espanto com algumas.
Evidentemente quem me fez essas críticas não percebeu o sentido do texto.
Tudo bem meus senhores, eu explico.

Naturalmente, que não era minha intenção tecer juízos de valor sobre este ou aquele gosto, quem sou eu para o fazer, ainda mais quando me habituei a ter gostos difíceis e muitas vezes incompreendidos?
Alusão imediata a isso é o título do post, "O Gosto dos Outros" citação que é título de um filme francês onde se aborda exactamente a diversidade dos gostos, para se chegar à conclusão, que todos somos livres de gostar do que entendermos, enquanto com isso não prejudicarmos a liberdade dos outros.
Exactamente o que penso.
Enfim, não é exigido que todos conheçam o filme, já ele destinado a pequenos públicos, e que portanto entendessem a mensagem deste título, mas o facto de estar entre aspas deveria alertar para o facto de ele não ser um simples título e querer dizer algo mais.
Todo o post é escrito numa forma irónica, com a descrição que é feita do cenário onde ocorre a conversa, e acho que isso também deveria ser indicativo do tom com o que escrevi.
Quando faço a comparação do "gosto do outro" com aquilo que supostamente deveria ser o seu gosto, uso inclusivamente um exemplo de que na realidade, embora reconhecendo o valor, até nem gosto, os U2.
E no fim, termino com uma frase que obviamente quer dizer muito mais do que aquilo que são as simples palavras. "Será que estou velho?" é a constatação do eterno generation gap, o conflito de gerações impossível de erradicar, e de que agora esta coisa de ser jovem, acabou. Pelo menos no sentido de que eu e os da minha idade deixámos de ser o fundo da hierarquia etária social, ou seja, atrás de nós existe, ou existem, já outras gerações com gostos, ideias, formas de estar próprias e diferentes das nossas.

O post é, não uma crítica à diferença, mas uma constatação da diferença, e a diferença é, naturalmente, o que nos enriquece enquanto humanidade.
Não posso no entanto ficar também um pouco surpreso (isto é ironia, convém explicar...) com essa súbita defesa das diferenças com que me criticam, como se essa cultura e progresso social até fosse comum nesta conservadora sociedade em que vivemos.

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